Cultura Ética e a Ética na Cultura Organizacional

Por Léia Wessling *

A ética se constrói a partir de escolhas. É um ato contínuo de decisões onde se interagem as motivações pessoais na direção da coletividade. Trata-se da relação que temos com o mundo e a forma como nos relacionamos a partir de valores e comportamentos. No universo empresarial, esse princípio serve para nos apontar o caminho pelo bem comum, integrando hábitos de vida e comportamento que refletem na sustentabilidade. O termo surgiu na Grécia Antiga e tem um duplo significado: ethos (grafado com a letra grega eta), que diz respeito aos costumes e os hábitos do lugar onde se habita; e ethos (com epsilon), que representa o caráter, o temperamento e a índole dos indivíduos. A partir da junção dessas duas interpretações temos o que podemos convencionar de Cultura Ética nas Organizações — esse conceito serve também em qualquer outro agrupamento social como família, amigos, governo, empresas públicas e privadas.

Se ética é feita de escolhas, essas escolhas são feitas por pessoas, ou seja, por todos que fazem parte de uma determinada realidade. E os critérios de seleção estão diretamente ligados aos níveis de consciência, pois envolvem percepção, interpretação e adaptação à realidade. Se na cultura organizacional de uma empresa, por exemplo, temos hábitos e costumes que incitam a competição interna, ou o “manda quem pode e obedece tem quem juízo”, os costumes dessa organização estarão relacionados ao não compartilhamento de informações, à falta de cooperação e aos abusos na condução da comunicação das decisões junto às equipes.

A cultura ética se faz, portanto, não por pessoas éticas, mas por comportamentos éticos. O que pode alterar a percepção entre as pessoas é o nível de consciência do eu versus coletivo. Um profissional pode ter uma postura, por exemplo, de não apropriar-se de bens alheios, porém, não intervém quando um colega ou líder abusa emocionalmente de outro colega. Essa evolução na consciência das pessoas sobre sua responsabilidade sobre o coletivo é a chave para a coerência entre o que se fala e o que se faz, ou o chamado walk the talk da cultura ética.

A criação de uma cultura ética não se resume à simples descrição de valores e criação de um código de conduta. Esses conteúdos, na verdade, são ferramentas que se efetivam a partir de uma profunda e verdadeira revisão das escolhas que fazemos no dia a dia. É possível, sim, criar uma cultura ética por meio da introdução da ética na cultura organizacional e, dessa maneira, rever a forma como as pessoas se comportam e construir novas reflexões e posições éticas.

Dilemas éticos em um mundo em transformação

Diante de tantas transformações sociais e mudanças no perfil de consumo, é muito comum vermos nas organizações dilemas éticos. A forma como as novas gerações interagem e enxergam o mundo, bem como o uso de novas tecnologias e a forma como as informações estão circulando, já não tem espaço para comportamentos que antes, no passado, eram considerados normais.

Um exemplo: numa determinada organização, piadinhas de corredor relacionadas a pessoas que usam tatuagem, ou mesmo com mulheres que “parecem macho” quando estão diante de uma negociação, foi um comportamento aparentemente aceitável por décadas. Contudo, o que para muitos pode ser compreendido como uma simples ‘piadinha corporativa’, em razão das mudanças de consciência social, maior convivência e ativismo voltados à inclusão e diversidade, esse hábito torna-se um dilema ético. E todo dilema ético é uma oportunidade de reflexão e transformação de hábitos e costumes.

Há um caloroso debate — e, com ele, novos dilemas éticos — trazido pelo próprio mercado de capitais, que reconhece a necessidade de revisão, por parte das organizações, daquilo que é sucesso e resultado. A redução nos níveis de confiança das pessoas em instituições e nas lideranças, assim como os diversos debates e acordos mundiais em razão de temas para a sustentabilidade do planeta, das populações e das economias, têm acentuado essa discussão.

É bem verdade que as escolhas que fazemos em nossos dia a dia, seja um empresário ou um trabalhador, visam maximizar o nível de bem-estar e felicidade, seja pela dedicação e manutenção do emprego, ou pela utilização de recursos para criar produtos que satisfaçam o consumidor e tragam resultados para o negócio. Mas é justamente nesses comportamentos que se encontram alguns dos dilemas éticos contemporâneos.

Vale ressaltar que, na perspectiva interna das organizações, outro aspecto relevante nesse debate sobre dilemas éticos diz respeito às decisões e comportamentos das lideranças empresariais. A credibilidade, nesses novos tempos, vai além da geração de empregos e da economia, mas se sustenta principalmente na forma como essas mesmas se realizam acordos com fornecedores, na transparência da comunicação com clientes, além de participação e proximidade com as comunidade. E isso se observa em cada micromundo: um contrato assinado, uma informação no rótulo do produto, na reações diante de um enchente na cidade.

Propósito e cultura ética: bons exemplos

As discussões contemporâneas sobre “propósito” estão em sintonia com esse debate: por que e para que sua empresa existe? O que ela vem realizar e como?

Para que uma empresa seja reconhecida como marca empregadora, transparente, com propósito e responsável, precisa fazer escolhas que reflitam numa ética comportamental. Isso é cultura ética como um diferencial, pois tão importante quanto o que a empresa faz (seus produtos e serviços), é quem ela é (sua cultura ética e propósito) e como se comporta.

No Brasil e no mundo já existem exemplos inspiradores de empresas que estão ressignificando sucesso e resultado para os negócios tendo em vista uma cultura ética. Em alguns setores da economia isso se vê mais claramente. A Natura é uma empresa brasileira que faz uso de recursos naturais (e, portanto limitados) e é reconhecida mundialmente por ser uma empresa que promove o crescimento econômico aliado a benefícios para a sociedade e o planeta.

Vemos também que alguns setores vêm buscado alterar seus modelos de negócio para estarem mais integrados às mudanças contemporâneas para uma cultura mais ética e responsável. A indústria automotiva, por exemplo, vem evoluindo de uma visão voltada ao alto consumo de automóveis e seus insumos fósseis para soluções mais sustentáveis, como carros elétricos e outras formas de mobilidade sem automóveis.

Na área da construção civil também vemos um movimento crescente de empresas produzindo não apenas imóveis residenciais e comerciais, mas contribuindo para o planejamento urbano. A Pedra Branca é exemplo em Santa Catarina. Com a missão de “melhorar as cidades para as pessoas”, a empresa responsável pelo bairro planejado no município de Palhoça investe não apenas na inovação imobiliária (imóveis residenciais e comerciais), mas também na gestão urbana (qualidade e estilo de vida no bairro).

Walk the talk da cultura ética

Iniciativas de reposicionamentos dos negócios precisam, é claro, estar acompanhadas do comportamento das empresas voltadas tanto para a relação com seus colaboradores (justiça interna, clima organizacional, liderança e gestão de pessoas), quanto na relação com fornecedores (cumprimento de acordos, negociação ganha-ganha) e com clientes (transparência, relacionamento próximo, promessa atendida).

E todas as iniciativas de sustentação da cultura ética passam também pelo combate às posturas consideradas não-éticas. Fraudes, corrupção, assédio moral/sexual, competição interna, apropriação indevida e abusos são algumas das temáticas consideradas em códigos de conduta e tratadas por canais de denúncia e comitês de ética.

Mas a melhor prova de uma cultura ética, ou da presença da ética na cultura organizacional, é o nível de confiança e segurança psicológica que a empresa vai construindo junto a todos os envolvidos ao longo do tempo. As tratativas dos desvios também demonstram o quanto as pessoas e as organizações são passíveis de erros, ao mesmo tempo em que corrigem de maneira séria e clara as situações.

Ética e os princípios do ESG

A cultura ética dialoga diretamente com os princípios do ESG, sigla para Ambiental, Social e Governança. Uma empresa ética reconhece em seus processos e modelo de gestão e relacionamento a Transparência, a Prestação de Contas, a Equidade, a Responsabilidade Corporativa, que são princípios orientados pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

A tratativa da Governança passa por um outro dilema ético: a quem essa empresa deve servir? Aos acionistas? Ao mercado? Ou à sociedade? É por aqui que se inicia o diálogo para a construção de uma cultura ética e para a evolução da ética na cultura organizacional.

* Léia Wessling é psicóloga, empresária e consultora. É diretora da Light Source e autora do livro Mindset – Liderança Corporativa

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