Acordo de Sócios: um instrumento de proteção aos negócios

Por Léia Wessling e Luiza Orlandi

 

João e José iniciaram um negócio juntos, pois identificaram uma grande complementariedade em seus perfis, além da amizade que nasceu já nos tempos da Universidade. João, mais voltado à área comercial, é um vendedor nato, bastante arrojado e ambicioso para retornos de curto prazo – tanto na venda quanto na rentabilidade. José, organizado e muito eficiente, dedica-se às funções operacionais e administrativas, preocupando-se com a segurança e saúde financeira do negócio.

A Sociedade J&J não poderia ser mais perfeita!

Mas, ao longo do tempo, alguns desconfortos começaram a aparecer. Rotinas e dedicações distintas entre os sócios gerando uma percepção de desigualdade na dedicação ao trabalho, diferentes motivações de retiradas financeiras resultava em frustrações e desalinhamento estratégicos, e uma visão de que as expectativas e os combinados “de boca”, aqueles que foram feitos no início da sociedade, não estavam sendo respeitados pelo outro sócio.

Mas o que dizer para o amigo, a sociedade perfeita J&J? Calar-se e consentir? Falar e enfrentar um conflito velado? E as coisas seguiam na sociedade e já sentidas no dia a dia dos negócios… “Parece duas empresas”, diziam os colaboradores. “Ah, mas você precisa convencer seu sócio.”, dizia o cliente. E as diferenças passaram a representar divergências difíceis de serem administradas.

O conflito entre sócios representa a maior motivação para a dissolução de sociedades. Isso é sabido e sentido por dezenas de milhares de empresas, cuja sociedade se estabeleceu de maneira bastante espontânea e informal. Também é sabido que a própria Governança Corporativa se desenvolveu a partir da necessidade do mercado de capitais em gerar mais transparência e equidade na relação e comunicação com acionistas.

E é a partir deste contexto e da história de muitos J&Js que o Acordo de Sócios surge como um dos instrumentos mais importantes de uma sociedade. Mas ele deve se comunicar com o Estatuto Social (Contrato Social) da empresa, não se confundindo com esse e não o contrariando.

O Acordo de Sócios indica um passo fundamental para a Governança Corporativa, aplicável a qualquer perfil e porte de empresa, seja para um negócio ainda em estágio inicial, como em uma start up, ou dentro de uma empresa de grande porte e já consolidada que deseja abrir capital.

Trata-se de um documento particular que traduzirá a vontade dos sócios quanto a temas afetos à empresa e ao patrimônio, com o objetivo de mitigar os riscos oriundos de conflitos possíveis entre os pares. Um Acordo de Sócios eficiente conterá cláusulas gerais pensadas a partir e conectadas com as diretrizes da governança, e em última análise, traduzirá o tratamento mútuo entre parceiros de capital e interesses.

O AS será tecido considerando a natureza e as singularidades da empresa e da relação societária, abordando temas como:

  • administração da empresa;
  • quóruns de deliberações e tomada de decisões e estratégias;
  • distribuição de lucros e remuneração de sócios;
  • transferência de propriedade das ações;
  • sucessão e sua condução;
  • cláusula de não-competição;
  • mecanismos de resolução de conflitos entre os sócios, dentre outros.

Como se dá a construção de um Acordo de Sócios

A construção de um Acordo de Sócios exige duas habilidades complementares: a mediação de um diálogo construtivo e conciliativo entre sócios (comportamento humano); e também o conhecimento fundamentado nas regras de sociedade civil (conhecimento jurídico). Por isso, é indicado que seja facilitado por especialistas com habilidades sistêmicas, ou multiespecialistas.

O processo de construção de um Acordo de Sócios se dá tanto pela escuta das expectativas e necessidades individuais, como também por agendas de diálogo, alinhamento e consolidação dos combinados no coletivo. É um processo que pode durar de 30 há 180 dias, dependendo da composição societária e do momento em que se encontram os negócios, bem como da qualidade da relação entre os sócios. Sendo um processo dialógico e mediado, precisa contar com a disposição das pessoas envolvidas em expor (mesmo que maneira mais individualizada) suas expectativas, assim como para dialogar, negociar e ceder diante daquilo que é mais importante neste processo: a proteção do negócio.

Durante o processo de elaboração do Acordo de Sócios, a preservação do patrimônio e dos negócios será o fio condutor das decisões e regras, onde cada sócio deve assumir a responsabilidade de considerar que suas próprias expectativas individuais poderão exigir flexibilidade em melhor benefício da sociedade e da empresa.

J&J, quando iniciaram o negócio, não tinham toda a visão de como seria esta administração, apenas expectativas. Ou seja, eles poderiam ter acordado formalmente aquelas expectativas no início (e isso já os levaria a refletir sob vários ângulos para o negócio), e agora eles têm a oportunidade de ajustarem suas expectativas àquilo que se apresenta como realidade dos negócios e do patrimônio.

Em resumo, o Acordo de Sócios é um dos instrumentos “ponto de partida” ou “marco” que  implementa a Governança Cooperativa, contribui para o fortalecimento patrimonial e para uma gestão eficiente, e, nesse sentir, alçará a empresa a nível superior de confiabilidade na medida em que corporifica a organização e a seriedade de sua estruturação, visando dar a melhor entrega para a sociedade em geral.


Léia Wessling
é psicóloga e sócia-diretora da Light Source

Luiza Orlandi é psicóloga e consultora da Light Source

 

 

0 respostas

Deixe uma resposta

Want to join the discussion?
Feel free to contribute!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

8 + 8 =