O futuro do trabalho é agora: aprendizagens para 2021

Por Léia Wessling

Já era sabido que grande parte daquilo que considerávamos essencial iria mudar em cinco ou 10 anos. O que não se sabia é que faríamos essa corrida em menos de 12 meses.

O Fórum Econômico Mundial, em sua última edição, indicou que 35% das habilidades essenciais de hoje mudariam no futuro. E que haveria necessidade de adicionar competências, entre elas a alfabetização de dados, o pensamento crítico e criativo, a inteligência emocional, a adaptabilidade em diferentes culturas e a colaboração.

Ao mesmo tempo, temos indicadores nada animadores relacionados à condição emocional das pessoas no trabalho: 15% é o índice de engajamento global, segundo pesquisa Gallup; o Brasil é o país mais ansioso do mundo, representando 9% de sua população ativa, segundo dados da OMS; além dos 30% de trabalhadores brasileiros diagnosticados com burnout, que é a síndrome do esgotamento mental. E todos esses dados fazem parte de um cenário pré-pandemia.

Ao enfrentarmos os desafios de 2020, algumas novas descobertas surgem: o tele-trabalho, a tele-educação e a tele-medicina vieram para ficar; houve um aumento significativo do desemprego, no uso de medicamentos prescritivos e de drogas lícitas como o álcool, na fadiga da quarentena e uma sobrecarga de horas de trabalho, que tem causado prejuízos à saúde física e emocional das pessoas.

Foco nas pessoas, adaptabilidade e trabalho em conjunto

Uma pesquisa mundial realizada pelo Barrett Centre Values, durante a pandemia da Covid-19, indicou também que, com as novas experiências desse período, as pessoas passaram a valorizar mais em seus trabalhos três aspectos: fazer a diferença, adaptabilidade e bem-estar e cuidado. Também, na experiência do colaborador, a cultura organizacional vem se transformando de um foco muito alto em performance, controle e hierarquia, para novos valores de foco nas pessoas, adaptabilidade e trabalho em conjunto. Ao mesmo tempo em que se reconhece a diminuição da burocracia, do controle e da hierarquia, também se observa um aumento na cautela, na confusão e insegurança no emprego.

O trabalho remoto, principal adaptação requerida pelas pessoas no trabalho em 2020, já era bastante desejado pelas novas gerações e muitos indicadores demonstravam que há ganhos efetivos de produtividade (de 15 a 20%), redução de custos, redução da emissão de CO2 na atmosfera e o aumento do tempo disponível. Estes indicadores parecem mesmo ter se confirmado na experiência de grande parte das empresas. Outros benefícios que ainda não estão percebidos, em razão da situação total refletida pela pandemia, é a redução do estresse e do absenteísmo, que tem inclusive crescido neste momento, que está intimamente ligado ao isolamento social, ao excesso de tempo e de exposição ao computador, à falta de infraestrutura para home office e demais problemas pessoais e familiares que afetam a saúde mental das pessoas.

Outra pesquisa mundial, realizada pela Gartner (2020), mostrou que 48% dos funcionários trabalharão remotamente pelo menos em uma parte do tempo após pandemia. Um relatório chamado Connetct Solutions destacou que 24% dos colaboradores remotos admitiram que o home office permitiu que executassem mais tarefas ao mesmo tempo em comparação ao trabalho no escritório. Outra pesquisa, realizada pela ADP, indicou que 30% dos trabalhadores sentiram-se pressionados por seus empregadores no início da pandemia a voltarem ao escritório. Agora esse índice é de 17%. Já sobre as horas de trabalho, houve uma adição de 25% de horas dedicadas ao trabalho.

Na mesma pesquisa realizada pelo Barrett Centre Values (2020), as pessoas manifestaram aquilo que esperam que permaneça na cultura organizacional, no pós-covid: adaptabilidade, agilidade, trabalho em equipe, conectividade digital, equilíbrio casa e trabalho e colaboração.

Cinco aprendizagens para 2021

Tendo em vista todo esse cenário e as demandas advindas da experiência dos colaboradores no trabalho e na vida, bem como as oportunidades para as empresas acelerarem transformações culturais a muito tempo demandadas pelo mercado, destaco aqui cinco aprendizagens para 2021:

Aprendizagem 1. Permitir-se não saber – lifelong learning

Aprendemos a conviver sem conclusões e a construir insights e novos aprendizados, o que quer dizer que não estamos na linha de chegada, mas nos adaptando ao longo da travessia. Isso muda o próprio modelo de aprendizagem nas empresas, que tradicionalmente se deu pela imitação e transmissão de experiências passadas, e que agora se dá pela experimentação e exemplos. Isso impacta inclusive no desenvolvimento da carreira e no modelo de avaliação dos talentos. A mentoria orgânica não será mais possível para aqueles que estão no trabalho remoto, exigindo das empresas a estruturação de programas que sustentem uma aprendizagem por meio da dedicação de tempo das lideranças e dos colegas para dialogarem e orientarem pessoas.

Perguntas-chave:

– sobre quais temas transversais precisamos aprender mais?

– como promover novas experiências?

– quais comunidades de aprendizagem podemos criar e quem quer participar?

Aprendizagem 2. Modelos Flexíveis de Trabalho

Reconhecemos, apesar de já sabermos, que as pessoas têm diferentes necessidades, e que por isso, não é possível aplicar um único modelo de trabalho a todos. Então, precisamos não apenas de benefícios flexíveis, mas de um modelo de trabalho flexível, que considere trabalho remoto e não necessariamente home office, que seja integral ou parcial, além da flexibilização dos contratos de trabalho, dos horários e possível redução da jornada. O trabalho de qualquer lugar veio para ficar, e esta dispersão territorial permite que inclusive as empresas contratem pessoas de diversos lugares do globo, aumentando a competitividade do mercado de trabalho e os movimentos de mudanças e integração da qualidade de vida pelas pessoas. Nesta nova realidade, as ferramentas de gestão, liderança e engajamento também se alteram, uma vez que as pessoas tendem a aderir a mais de um trabalho e não estarão disponíveis ao mesmo tempo.

Perguntas-chave:

– quais as regras e parâmetros dos modelos de trabalho para nossa empresa?

– quais ferramentas de colaboração assíncronas utilizaremos?

– quais serão nossos rituais virtuais síncronos de gestão, liderança e engajamento?

Aprendizagem 3. Novo jeito de atuar em Cultura e Engajamento

Os artefatos culturais que, até então, se expressavam pelas cores da fachada, pelo layout do escritório e pelos abraços calorosos dos eventos de celebração e engajamento, nesta nova realidade de trabalho flexível, se tornam menos palpáveis e mais subjetivos. Sendo assim, as ferramentas de avaliação e promoção/demonstração do engajamento também precisam se transformar, pois o presencial não pode ser privilegiado, uma vez que parte da equipe estará online. O tipo de aplicativo, as cores, os sons, as imagens e os tons virtuais tornam-se agora novos artefatos da cultura.

Perguntas-chave:

– quais os novos artefatos culturais que podem ser criados de maneira online?

– quais rituais sustentarão uma cultura de realidade híbrida?

– como a liderança pode estar ainda mais conectada com as pessoas a nível individual, grupal e organizacional?

Aprendizagem 4. Novo Modelo de Gestão e Liderança

A quebra de paradigmas para a gestão e liderança é, com certeza, o maior dos aprendizados para estes novos tempos. Organizações mais planas, com menos níveis hierárquicos e processos menos burocráticos trazem a tão sonhada melhoria na comunicação e na agilidade e exige maior confiança nas relações. Ferramentas de inovação colaborativa podem auxiliar em muito as lideranças na sua prática didática de gestão e desenvolvimento dos projetos e processos com as equipes. Para isso, novos e velhos valores e competências são necessários para as Lideranças, como a escuta ativa, a gestão das emoções, o estímulo ao pensamento crítico e a colaboração.

Perguntas-chave:

– qual o tempo dedicado pelo Líder à escuta ativa e interessada?

– qual é o nível de autoconhecimento e inteligência emocional do Líder?

– quais os novos rituais de gestão e liderança, que considere o modelo híbrido?

– quais as novas ferramentas de compartilhamento e gestão dos projetos e de resultados?

Aprendizagem 5. Pessoas no centro da gestão

A supervalorização do mundo digital é proporcional à importância das pessoas na criação das novas soluções para a sociedade. Já a adaptabilidade, veio para ficar, pois o aumento da multiplicidade de realidades enfraquece as padronizações e controles, e amplia a confiança. Líderes inspiradores e agregadores continuarão sendo a chave que conecta às pessoas à cultura. Promover a saúde mental e o equilíbrio no uso do tempo entre atividades laborais, sociais, pessoais e familiares permitirá que as pessoas se mantenham engajadas e produtivas. Há também a necessidade de requalificação das pessoas em empresas tradicionais e a integração entre ecossistemas. Saúde e bem-estar tornam-se agora, estratégia de gestão de pessoas, por meio do desenvolvimento de capital psicológico e das habilidades socioemocionais.

Perguntas-chave:

– quais as novas estratégias chave em Pessoas?

– o que precisamos aprender e aplicar imediatamente?

– como as pessoas se conectam com nosso futuro do nosso negócio?

Sintetizar nossa experiência em 2020 em apenas cinco aprendizados-chave foi uma tarefa árdua e possivelmente limitada, já que temos muito mais elementos e variáveis que não se resumem aqui.

Também nem precisaríamos falar do futuro, pois já estamos vivenciando no presente as melhores e piores experiências do que está por vir. De verdade, estamos em uma jornada que não iniciou em razão da pandemia (mas por meio dela), devido a saturação dos modelos tradicionais de trabalho.

Que possamos aproveitar essa urgência para sustentar novas práticas que nos levarão para um futuro mais sustentável e próspero. E este, todos nós desejamos.

Léia Wessling é psicóloga, empresária e diretora da Light Source

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